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20 de fevereiro de 2023

Origem do ensaio metalográfico

Na engenharia de materiais existem duas terminologias para análises em microscópio: a “metalografia” e a “materialografia”. Através de tecnologias mais modernas da ciência dos materiais as microestruturas de todos os materiais sólidos são analisadas, independentemente de sua composição química, logo, materialografia pode ser um termo mais abrangente em relação ao termo tradicional metalografia [1].

Materialografia

O termo “materialografia”, criado em 1968, buscou abranger o exame do número infinito de materiais existentes e futuros, e hoje este termo tem se tornado cada vez mais apropriado. Além disso, o termo “metalógrafo” deve ser alterado para “materialógrafo”. Mudanças desse grau, no entanto, demandam tempo e, portanto, os termos “metalografia” e “metalógrafo” são usados atualmente, e podem englobar o ensaio para diversas situações [1].

O ensaio metalográfico inclui um amplo campo de investigação de materiais, ele preenche a lacuna entre a ciência dos materiais novos e existentes e a engenharia utilizando materiais cada vez mais modernos. A materialografia abrange a avaliação de amostras desde dimensões macro como metros e pés (ft.), até dimensões atômicas de ordens nanométricas e subnanométricas [1].

O objetivo da preparação para o ensaio metalográfico é obter a verdadeira microestrutura de uma superfície de material não perturbada, que pode ser analisada em um microscópio óptico ou MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura) [1].

O problema básico para um metalógrafo preparando uma amostra é que o próprio processo de preparação modifica a superfície da amostra e, teoricamente, uma “estrutura verdadeira” completamente sem alterações não pode ser obtida. Ao passo que, deve-se utilizar um processo de preparação que crie a menor quantidade de alterações, possibilitando, na prática, analisar a microestrutura de forma satisfatória [1].

Histórico

Naturalmente, as primeiras formas de análises eram simples e com amostras com detalhes visíveis a olho nu. Com a evolução da ciência, surgiu à invenção de um artefato que seria o primórdio do microscópio através de Antony Van Leeuwenhoek [2] em meados de 1600, depois, em 1665 com o cientista Hooke, um filósofo natural, apresentou em seu livro as formas de um universo muito pequeno, como estruturas de insetos ou plantas, com o título de Micrographia [3], a partir destas inovações foi possível à realização de análises mais minuciosas.

O ensaio metalográfico só foi possível após vários desenvolvimentos em tecnologias. O uso do microscópio para estudar superfícies de fraturas em peças foi relatado anteriormente ao ano de 1800 [4]. Nos anos imediatamente seguintes, houve alguns estudos de metais moídos e gravados, além do surgimento de muito interesse na inspeção de meteoritos no microscópio [4].

Considerado o pai da metalografia moderna, Henry Clifton Sorby foi um inglês estudioso de diversas áreas [5]. Uma de suas áreas de interesse foi a petrografia, ramo cujo objeto de estudo é a descrição e análise de rochas e minerais, onde ele fez uma das primeiras análises petrográficas em 1849 [6]. Ele foi premiado com a medalha Wollaston pela Sociedade Geológica de Londres em 1869, onde posteriormente tornou-se presidente desta instituição. Em seus discursos presidenciais, Sorby apresentou resultados de suas pesquisas originais sobre a estrutura e origem de calcários e de rochas estratificadas não calcárias [7].

Em 1863, Sorby utilizou ataque com ácido para estudar a estrutura microscópica de ferro e aço. Usando essa técnica, ele foi o primeiro na Inglaterra a entender que ao adicionar uma quantidade pequena de carbono em ferro, porém em uma faixa de concentração em massa específica, proporcionava ao aço alta resistência mecânica [8]. Isso permitiu a Henry Bessemer e Robert Forester Mushet a obtenção de mais informações, resultando no desenvolvimento de um método de produção em massa de aço [6].

Avançando um pouco na história, a virada do século observou o início da era do plástico com a produção do primeiro plástico sintético a base de fenol [9]. As resinas fenólicas apresentaram muitas propriedades desejáveis e entraram no mercado comercial em 1909 [10]. O fenólico amplamente utilizado, baquelite, recebeu o nome de seu desenvolvedor, Dr. Leo H. Baekeland [11].

As características da baquelite a tornam muito interessante como composto de moldagem, adesivo ou ligante, verniz e revestimento protetor. A baquelite era utilizada em indústrias elétricas e automobilísticas emergentes devido à sua resistência extraordinariamente alta à tensão elétrica, calor e ação química [12].

Entretanto, se passou algum tempo após seu descobrimento para que a baquelite fosse amplamente utilizada em ensaios metalográficos. Alguns dos materiais mais usados ​​durante o início de 1900 incluíam cera de parafina, cera de vedação, enxofre, vários tipos de rebocos, cimentos, e ligas [13].  Apenas na década de 1930 que a baquelite foi amplamente disseminada [14].

Assim, com o advento da baquelite para envolver amostras e deixa-las com boa planicidade, e o desenvolvimento de diversos ácidos para ataques químicos para melhor análise de materiais somados ao avanço em equipamentos, como do microscópio óptico, é possível avaliar minuciosamente os materiais e quais são as suas características. Isso nos possibilita ligar as características microscópicas com as propriedades macroscópicas dos materiais.

Graças ao polimento em plano e exposição ao nital (solução de ácido nítrico e etanol), foi possível a visualização de microestruturas dos meteoritos de ferro, compostos principalmente por níquel e ferro que ligando forma uma fase e uma constituinte metalográfico, estável em temperatura ambiente, por Widmanstätten [15]. Como estas amostras de meteoritos eram basicamente de ferro e níquel, o uso do nital pôde ser expandido para os aços em ensaios metalográficos.

O nital é uma solução de ácido nítrico (HNO3) diluído em água deionizada (ou destilada). A concentração pode variar entre 3 e 5%, e seu uso pode variar dependendo do tipo de material, naturalmente soluções com maiores concentração possuem maior poder de ataque.

Outro ponto importante do ataque de nital é o tempo de imersão da amostra neste ácido, no caso onde a amostra é imersa por um tempo maior que o recomendado, pode ocorrer “queima” da superfície atacada, e por consequência, vários pontos pretos podem aparecer na imagem.

Para ensaio metalográfico em aços inoxidáveis, outras soluções ácidas são aplicadas ao invés do nital. Além disso, o processo não se trata apenas de um ataque convencional, onde a amostra é submersa por tempo determinado no ácido. Devido sua característica de resistência a ácidos, o aço inoxidável precisa passar pelo processo de ataque eletrolítico, como por exemplo, o aço inoxidável 304 que é atacado em uma solução de 10% em massa de ácido oxálico + água utilizando densidade de corrente de 1 A/mm2.

Metalografia de Ferro e Aço

A metalografia do ferro e do aço é complexa, e os vários constituintes que podem ser observados podem ser resumidos muito brevemente da seguinte forma:

Ferro de lingote e ferro forjado. Estes consistem principalmente de ferrita (ferro α; estrutura cristalina cúbica centrada no corpo), cujas características de ataque podem ser afetadas por fósforo, manganês ou silício em solução sólida, ou pela presença de inclusões de escória. Carbono está geralmente presente em pequenas quantidades e o carbono presente acima da muito baixa solubilidade sólida na ferrita está na forma de cementita (carbeto de ferro, Fe3C). Enxofre pode estar presente como dissulfeto de ferro se o Mn não estiver presente, mas caso contrário como dissulfeto de manganês. Várias formas de ferro relativamente puro são produzidas, tais como: ferro elétrico, aço isento de intersticiais e aços laminados de várias composições. Todos esses são essencialmente ferríticos em conteúdo, com pequenas quantidades de inclusões não metálicas e cementita. Os aços laminados de fase dupla têm uma estrutura mais complicada, pois contêm pequenos grãos consistindo de martensita e austenita retida [16].

Aços carbono normalizados e recozidos. Os microconstituintes presentes variam de acordo com o teor de carbono. Abaixo de 0,8% de carbono, as amostras consistem em ferrita e uma mistura eutetoidal interlamelar de ferrita e cementita, conhecida como perlita. Com 0,8% de carbono, as amostras são inteiramente perlíticas. Acima de 0,8% de carbono, os constituintes formam uma rede de cementita maciça rodeando áreas perlíticas. Aços normalizados e recozidos (<0,8% C) diferem no caráter e extensão das áreas perlíticas, que geralmente são mais grossas no último caso. Um resfriamento muito rápido produz perlita muito fina e indistinguível (por microscopia óptica). Um resfriamento muito lento produz um espaçamento interlamelar grosseiro e facilmente discernível na perlita. Ciclos especiais de recozimento podem “esferoidizar” a cementita, levando à formação de cementita globular, resultando em uma condição mais macia e dúctil do que a perlita fina oferece. O aquecimento prolongado de aços de alto carbono a 600-800°C decompõe a cementita em ferrita e grafite livre, que deve ser considerada como um possível constituinte [16].

 

Aços carbono e ligados endurecidos e temperados. A alta temperatura (acima da qual ocorre a transformação do ferro α em ferro γ cúbico centrado na face) os aços carbono consistem em austenita, uma solução sólida de carbono em ferro γ. Alguma austenita pode ser retida em aços altamente ligados, como os aços ferramenta, dependendo da temperatura de austenitização usada no tratamento térmico. Na maioria dos aços, uma variedade de produtos de decomposição pode surgir dependendo da severidade do resfriamento local, do conteúdo de liga (“temperabilidade”) e do tamanho da seção. As estruturas obtidas são:

(a) Martensita, que requer um resfriamento rápido (a taxa necessária é uma função da temperabilidade do aço e do tamanho da seção). Em aços com alto teor de carbono, especialmente quando muito carbono é dissolvido, essa estrutura aparece como um sistema de “agulhas” paralelas ou lenticulares. Em aços com alto teor de carbono, especialmente quando superaustenitizados, alguma austenita residual pode ser retida entre as “agulhas”. No entanto, a forma tridimensional não é acicular, mas parece dois pratos de jantar voltados um para o outro, daí o nome mais correto, martensita “placa”. A microscopia eletrônica é necessária para um estudo detalhado da martensita. A martensita em forma de placa exibe um Twin de meio-filete. Em aços de baixo carbono e aços maraging, forma-se martensita em forma de lâmina com uma estrutura de faixas paralelas contendo alta densidade de discordâncias. Aços de médio carbono têm misturas de martensita em forma de lâmina e em forma de placa. Quando o tamanho de grão de pré-austenita é fino, como deveria ser, a estrutura da martensita é difícil de revelar com o microscópio óptico [17; 18].

(b) Bainita é formada em taxas mais baixas de resfriamento. É um agregado não lamelar de ferrita e cementita [17; 18].

Bainita superior consiste em feixes de lâminas paralelas de ferrita entre as quais precipitam carbonetos. Pode formar-se através de resfriamento contínuo, ou durante a decomposição isotérmica da austenita a 400-500°C (geralmente é mais fácil discernir os tipos de bainita que são formados isotermicamente). A bainita superior ataca mais escuro quanto mais baixa for a temperatura em que se forma, mas a estrutura só é vista em detalhes claros por microscopia eletrônica [17; 18].

Bainita inferior é mais comumente encontrada em aços ligados com alto teor de Cr, Ni e/ou Mo que foram resfriados lentamente demais para formar estruturas completamente martensíticas ou foram transformados isotermicamente para formar bainita inferior deliberadamente. Assim como a bainita superior, ela é controlada por difusão (embora em ambos os casos, a transformação real de γ para α possa ser sem difusão, com a difusão ocorrendo atrás da frente de transformação), mas forma-se em temperaturas mais baixas, geralmente abaixo de 350°C.

É difícil distinguir da martensita revenida por MO e precisa de microscopia eletrônica para identificação completa. Ela é acicular ou em forma de placa, com placas ou agulhas subsidiárias nucleadas a partir de placas existentes (ao contrário da bainita superior, que é nucleada a partir de fronteiras austeníticas). A bainita inferior consiste em placas ou agulhas de ferrita com carbonetos precipitados internamente em uma orientação. (Na martensita revenida, são encontradas duas ou mais orientações de carbonetos.) A bainita inferior também não apresenta Twins [17; 18].

(c) Perlita. Trata-se de um eutetóide lamelar de α-ferro e cementita, cujo espaçamento depende da temperatura em que se forma. Ela se nucleia como nódulos que crescem a partir de limites de grão pré-austeníticos ou em aços de baixo carbono a partir de interfaces ferrita/austenita [17; 18].

(d) Em aços ligados e aços carbono comerciais, estão presentes sulfetos de manganês, não sulfeto de ferro, que fundiria em temperaturas comuns de trabalho a quente e causaria “fragilidade a quente” [17; 18].

(e) Em ferros fundidos, estruturas semelhantes são encontradas, mas o maior teor de carbono resulta em cementita primária ou flocos de grafite, dependendo do teor de liga e/ou da taxa de resfriamento. O grafite também pode estar presente como uma eutética ou como nódulos. Com preparação cuidadosa, a estrutura interna do grafite pode ser revelada por luz polarizada. Fósforo introduz um eutético característico de ferrita e Fe3P ou um eutético ternário com Fe3C chamado Steadita [16-18].

Estes são alguns exemplos do que podemos verificar em aços quando realizamos o ensaio metalográfico.

 

Referências

[1] K.  Geels, “Metallographic and Materialographic Specimen Preparation, Light Microscopy, Image Analysis and Hardness Testing,” ASTM International, 2006.

[2] CARDOSO, LUIS FELIPE CASTRO et al. ESTUDO DA HISTOLOGIA: DA INVENÇÃO DO MICROSCÓPIO ATÉ A EVOLUÇÃO PARA HISTOLOGIA in vivo. In: XXVI Jornada de Parasitologia e Medicina Tropical do Maranhão – São Luís – MA, 2018. Disponível em: <https://www.doity.com.br/anais/xxvi-jornada-de-parasitologia/trabalho/74315>. Acesso em: 10/11/2022 às 16:26

[3] Almeida, Argus Vasconcelos de e Magalhães, Francisco de OliveiraRobert Hooke e o problema da geração espontânea no século XVII. Scientiae Studia [online]. 2010, v. 8, n. 3 [Acessado 10 novembro 2022], pp. 367-388. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1678-31662010000300004>. Epub 04 Jan 2011. ISSN 2316-8994. https://doi.org/10.1590/S1678-31662010000300004.

[4] McCall, James L., Mueller, William M, International Metallographic Society, and American Society for Metals. Metallographic Specimen Preparation: Optical and Electron Microscopy. Edited by James L. McCall and William M. Mueller. New York: Plenum, 1974. Print.

[5] Smith, C.S., A History of Metallography, Univ. Chicago Press, Chicago, 1965.

[6] Humphries, D.W., “Sorby: The Father of Microscopical Petrography,”The Sorby Centennial Symposium on the History of Metallurgy, Ed. by C.S. Smith, Gordon & Breach Scientific Publishers,New York, 1965, P.17-4l.

[7] Chisholm, Hugh, ed. (1911). “Sorby, Henry Clifton”. Encyclopædia Britannica (11th ed.). Cambridge University Press.

[8] DENNY, A., 1929. Resumé of the biological works of Dr. H. C. Sorby, F.R.S. Proceedings of the Sorby Scientific Society, Sheffield. Vol. 1.

[9] ABC’s of Modern Plastics, Bakelite Company, Div. of Union Carbide Corp., 30 E. 42nd St., New York.

[10] Kruger, D.L., Hughes, J.P., and Schmitz, F.J., Variable Curing Resins for Mounting Metallographic Samples, ANL-67l2, Argonne National Laboratory, Sept. 1963.

[11] ATKINS, P. W.; SHRIVER, D. F. Química Inorgânica. Tradução. 4. ed. Porto Alegre: Artmed Editora S/A (Bookman), 2008.

[12] Brandt, Anne. “Bakelite: The Beautiful Plastic”. Antique Shoppe Newspaper. Archived from the original on November 7, 2015. Retrieved August 6, 2015.

[13] Dvorak, J.R., Mounting Materials and Automation in Sample Preparation, ASM Metallography Symposium, Cleveland, Ohio, 2-3 April, 1970.

[14] JDelmar V. Miley, Arthur E. Calabra (auth.), James L. McCall, William M. Mueller (eds.) – Metallographic Specimen Preparation_ Optical and Electron Microscopy-Springer US (1974).

[15] W. F. Buchwald, “Handbook of Iron Meteorites”, University of California Press, 1975.